24.1.09

O pai percebe. O pai percebe sempre. Éramos 8 pessoas à mesa. O mano não estava que almoços ao sábado para ele não existem. Ou está a trabalhar ou está a dormir. Tal qual como eu fazia quando tinha os 24 anos que ele tem agora.
O pai percebe sempre e diz para a Estela, quando a Estela me pergunta -Estás a ouvir? "ela hoje não está cá. Há ai qualquer coisa!"
O pai percebe sempre. Não tem consciência do que é. Talvez ande longe de o saber. Mas percebe sempre.
Eu digo que hoje estou dura de ouvido. Que estou a ouvir mal e que hei-de acabar como a avó Guilhermina. Completamente surda. Mas ele olha para mim como que a querer dizer que não o convenci. A Estela conta coisas sobre a tia Arminda (a mãe dela. A tal que chorou quando ainda estava dentro da barriga da avó Laurinda, também presente à mesa. A tal tia que canta o fado com a alma toda nua.). Fala da tia e eu vou fazendo que sim com a cabeça. Que sim, estou-te a ouvir. Mas não estou. Não estou cá. Não ando por cá há alguns dias. Não sei de mim Estela. Não sei de mim e foi isso que o pai viu. A falta de mim ali à mesa. Estou sem estar. A avó conta coisas de outros tempos. Conta sempre cada vez que almoçamos juntos. Falamos do facto de eu ir ficar com a casa que era da avó Guilhermina. A avó da trança de prata. Que via para além do visível. A avó que andou sempre de mão dada com Deus. O mano perguntou-me que bocado daquela terra eu queria e eu respondi-lhe que se não se importasse queria aquele. Aquele da minha infância. A casa da avó Guilhermina. Do avô Luís Do "café das velhas" e da torrada feita sobre as brasas. A casa que cheira à minha infância. Ele não se importou. Não se lembra. O avô Luís morreu vai para 22 anos e ele não se lembra. A avó foi-se embora pouco depois. Ele não se lembra e não sente. Não tem estas memórias. O mano com dez anos a menos teve uma infância completamente diferente da minha. Já havia electricidade quando ele nasceu. Já havia alcatrão. Os avós já não estavam. Nem eles nem as histórias. As tantas, tantas histórias. De mortos e de vivos. Do céu e da terra. De Deus e do inferno. O mano é agnóstico. Eu tenho uma fé enorme. O mano só acredita nele. Eu ás vezes queria acreditar em mim.
"há ai qualquer coisa", e eu gostava tanto de poder contar, de saber dizer o que há. Mas este é um haver que não há. É uma falta. O que há é esta falta. Esta ausência.
A prima diz-me que o Cristo no crucifixo de prata que trago ao pescoço desde que me o ofereceram pelo natal, porque o pedi, há 3 anos, deveria estar voltado para o meu peito e não para os outros. Digo-lhe na brincadeira que sou boazinha e que assim o Cristo olha por todos. Sempre servi melhor os outros do que a mim. Sempre fui melhor para os outros do que para mim.
Depois do almoço sentamo-nos no poial da frente da casa minha infância. Falamos do tempo que está frio e eu estou como o tempo. Cinzenta. Sempre a chover por dentro. Sempre a parecer chover por fora a qualquer momento. Só eu é que percebo. E o pai. E a casa da minha infância onde a avó Guilhermina certamente está sentada no pequeno banco de corda e faz que sim com a cabeça, que estou como o tempo. Sempre a chover.

11 comentários:

Filipe disse...

Lyra, lyra...
sim...a tua avó, sentada no banco de corda diz que estás como o tempo, sempre a chover...mas com a cabeça diz que não...! E Diz "Acorda minha querida neta! Não é possível seres boa para os outros se não fores boa para ti..." E acrescenta com esperança de avó que ainda ama: "Vais entrar na primavera rapidamente que O mundo precisa de ti."

Aragana disse...

...esse teu entendimento da tua vida pode ter um desvio... mesmo como o tempo, o sol volta sempre.

Amaral disse...

Uma tia que canta o fado com a alma nua é tão bom como a avó que conta as coisas angélicas dos seus tempos...
Ela convivia com Deus para contar aos netos mas talvez nem todos percebessem...
As memórias ficam e nem todos os manos têm a sorte de conhecerem a sabedoria dos avós...
A prima pode ter a sua razão... e eu digo que me deliciei com esta viagem pelo tempo!...

Blue C disse...

Também volto depois de 2 anos de ausência. As palavras por vezes não chegam para dizer o que sentimos, mas as que chegam pedem para sair! Beijinhos

Lyra disse...

obrigada a vocês porque ainda passam por cá. apesar dos meus humores. apesar da minha falta de tempo ás vezes, para poder descansar por aqui, cuspindo palavras como quem abraça ou se deixa abraçar.

Lyra disse...

obrigada a vocês porque ainda passam por cá. apesar dos meus humores. apesar da minha falta de tempo ás vezes, para poder descansar por aqui, cuspindo palavras como quem abraça ou se deixa abraçar.

Pêndulo disse...

Fui cuspido duas vezes! Isso faz-se?

Anónimo disse...

;)
2?

Lyra disse...

apagas-te o relógio parado??!

Pêndulo disse...

Apaguei. Já não escrevia e acabei com aquilo. Pode ser que um dia volte a cuspir palavras se bem que não costuma falar de boca cheia :p

Anónimo disse...

parvalhão :P