15.8.06

Falei-lhes baixinho sobre as fadas e os gnomos, contei do unicórnio de crina azul e do centauro ruivo, disse que o laranja que agora estava nas paredes do quarto era fumo do cabelo do centauro, inventei baleias com asas, borboletas que falam e todas as coisas de que me lembrei e em que nenhum adulto acredita. Faltou-me o acreditar na história e eles notaram. Deixei de saber fazer a voz das navegantes da lua (que irritantes que são) e o Peter pan tem agora a voz igualzinha à sininho e nem os pós de perlimpimpim a salvam de ter a voz igual à minha, embora com um pouco mais de energia para esconder cansaços meus.

Vim de férias, das férias que me souberam a pouco e sinto-me cansada. Por dentro. Cansada. "Devias desistir" diz-me uma voz de vez em quando, quando tudo me parece confuso e quando tudo me mostra preto no branco que é a minha vez de partir, porque a noite está ali (aqui) parada há muito tempo e já partiram também. Mas fiz-me uma promessa e cumpro-a até ao fim dos meus dias porque cumpro todas as promessas que me faço e não é por teimosia é porque tenho os olhos cheios de ternura, que os olhos de quem ama são cheios de ternura apesar do vazio que os enche na ausência. "Devias desistir" e respondo-me que não se desiste quando se quer, que há coisas que se colam a nós e nunca mais saem da nossa pele. Nunca mais. E quando em madrugada de lua cheia sobre a Vasco da gama quase vazia, se pede para carregar a dor de alguém, para partilhar um fardo demasiado pesado, e o sentimos depois no arrastar dos dias, que sim, que essa metade, esse peso, foi-nos dado pelos céus, que fomos atendidos e que foi uma opção nossa, então nem que mudemos de pele, de corpo, de vida, sai de nós o que um dia nos provou que tudo pode ser dividido ao meio, tudo tem uma metade, tudo se completa. E não há preto no branco, não há vózinhas a atormentar-nos os dias.

Cansam-me os dias (noites) também aqui e escrevem-me a falar ainda no blog branco e já não o consigo abrir porque pareço estar a anos-luz do que fui. Aqui vou ficando só de vez em quando para não abrir feridas mas também para as aliviar porque às vezes as palavras corroem e temos que as deixar voar, soltar as amarras que as prendem porque temos medo que a tal voz que nos põe tontos tenha razão.

Fecho os olhos e vejo-os bebés, e faço uma voz misteriosa como quem vai revelar um segredo nunca antes revelado e conto-lhes que o Peter pan segura a Sininho entre as mãos sempre que fala com ela. E nos olhos cheios de pureza vejo que já não duvidam do centauro ruivo, do unicórnio de crina azul nem da borboleta que fala. E sou feliz no momento porque apesar de já não ter o verbo em mim, ainda consigo dar o Acreditar.