2.9.06

Os meus olhos ainda não se habituaram à luz do dia e apesar de abertos continuam a dormir. Tem-me chegado tarde o sono. O relógio cá de casa marca muitas vezes as 4 horas quando me sinto finalmente a mergulhar na escuridão que dá alguma paz à alma. Às vezes. Porque há alturas em que esse mergulhar arrastado e suave é interrompido por pesadelos absurdos. Não é natural.
É Setembro e como é que vos consigo explicar que o passar do tempo que parece rápido e arrastado ao mesmo tempo, chega a ferir-me? Que já sinto o frio do inverno a chegar-me à pele, que fica arrepiada de um momento para o outro sem aviso prévio e nem o facto de estar calor me alivia esse frio que a esta altura do ano ainda é esporádico mas que o Outubro já me trás o frio constante ainda que estejam 23 graus lá fora. Apesar de o meu organismo suportar melhor o frio que o calor, em Dezembro ou Janeiro, ainda me posso iludir, que o frio é fruto do tempo.
Mas o que esperar da mulher, que miúda ainda, com nove ou dez anos, já lia Pessoa, Espanca e o Só de António Nobre? Enquanto as outras crianças tinham os olhos iluminados pela Anita no campo, Anita na Cidade e em todos os outros sítios que a imaginação das crianças o permite, os meus iluminavam-se com os poetas a que tinha acesso. Claro que devia entender a poesia (abro um parêntesis para dizer que provavelmente não entendia nada de poesia.), de uma maneira completamente diferente da maneira que entendo hoje. Há atrás da poesia muitas lágrimas, muita pele, muita carne, muito sentir. Naquela altura devia apenas encantar-me e achar que aquelas pessoas tinham o dom de tocar os outros com as suas palavras e que o que escreviam era muito, muito bonito.
Recordo bem os meus nove anos. Foram uma espécie de marco. Aconteceram-me coisas muito importantes (as tais coisas a que damos muita importância quando temos nove anos). As poucas recordações que tenho da infância são depois dessa idade. O que aconteceu antes disso, parece-me sempre pouco nítido e ás vezes não sei se aconteceu realmente ou se foi construído pela minha cabeça. Os quinze anos também foram importantes. De mudanças drásticas. E aos quinze anos nós não sabemos nada da vida e achamos que sabemos tudo. Depois o deslumbramento dos vinte e três...Depois os vinte sete. E os trinta! Os trinta, não pelo numero em si, mas porque aconteceram no dois-mil-e-quatro-ano-de-todas-as-coisas.
Os trinta e dois fogem agora para os trinta e três, vão-me escorrendo entre os dedos e quando às vezes ainda se dirigem a mim neste típico cortejar (quase) Alentejano em que me dizem "mas que menina tão linda..." eu sorrio, neste sorriso triste que esconde o frio que sinto e faço de conta que por dentro tenho esse ar de gaiata que trago por fora.