E a morte? Encara-la de frente! Sempre de frente. Há mais ou menos 6 horas assisti ao último suspiro de uma pessoa. Doença prolongada. Eu e a L. sentadas lado a lado. Eu dizia-lhe "ele está cansado. O teu pai está cansado." De repente o respirar ofegante pára. Olho para ela. Ela para mim. Sorri-lhe docemente.
Nunca tinha presenciado a morte. Ela hoje chegou como a mão que se estende para acalmar a dor.
Não me morria alguém tão próximo há...uma série de anos. Não era um familiar directo, mas era pai de pessoas que estimo muito. Não éramos próximos apesar de durante anos termos convivido quase diariamente. Mas é sempre alguém que parte. Nem uma lágrima no rosto, que sou de uma frieza brutal nos momentos em que a maioria quebra. Sempre fui assim. Guardo. Também por isso sou pilar tantas vezes. A pessoa que mantêm a lucidez.
Sou muito ausente dos outros. Sempre fui. Contam-se pelos dedos das mãos as pessoas de quem preciso ter constantemente. Ter notícias, tê-las perto, senti-las na minha vida. Essas são as que ao dar-lhes afectos, me sinto acarinhada, posso apenas dar que sinto como se fossem um colo. Dar sem esperar em troca. Dar porque preciso de dar. De sentir que cuido. Que olho por elas.
Sei que sou muito ausente. Costumo pensar que nos momentos felizes, as pessoas estão quase sempre rodeadas de gente e talvez não sintam tanto a minha falta. Sou apenas mais uma pessoa. É nos momentos maus que tento estar presente. É nesses que afinal notamos que não temos tantos amigos como pensávamos. É nesses que as pessoas precisam de nós.
A morte, coisa estranha esta, que nos faz ver que adiamos a vida constantemente. "Um dia vamos", "um dia fazemos". A morte aproxima-se e se a sentimos por perto queremos fazer tudo o que não fizemos durante anos, ver as pessoas que não víamos há anos. Tudo. Tudo num limitado espaço de tempo. Adiamos a vida mais do que deveríamos.
Hoje senti uma necessidade brutal de dizer às pessoas que amo, que as amo profundamente. Hoje senti que não estou errada, ao lutar pelos que amo, apesar de todas as contrariedades da vida. Senti que vale a pena seguir o coração e que se lixe a razão de vez em quando. Pensei nas pessoas que se partissem, me fariam uma falta tremenda, como um buraco no peito. E soube nesse momento, que são essas as pessoas a quem mais dou, a quem mais amo, e nesse momento achei que se fosse eu a partir pouco tinha deixado por dizer a essas pessoas. Porque nunca tive vergonha de dizer "amo-te", porque digo-lhes constantemente "gosto tanto de ti."