18.12.06

Temos às vezes vários caminhos e escolhemos muitas vezes o que nos parece mais fácil, o mais confortável. Não quer dizer que seja o menos doloroso. Muitas vezes o que nos parece mais fácil, só o é a determinada altura. Depois deixa de ser. E o tempo passa e nem damos por ele. Quando notamos que ficamos para trás, que nos deixamos para trás dói-nos brutalmente (tenho usado esta palavra com tanta frequência ultimamente...). E o que nos parecia o mais fácil já não é. Há dias em que a minha necessidade de me ir buscar lá atrás, de recomeçar é enorme. É imensa. Mas nunca vou. Vou-me deixando estar. Por comodidade, por medo, por uma série de motivos que invento mesmo inconscientemente.
(À medida que escrevo apercebo-me que poderia estar a falar de outra pessoa... Mas não. É sobre mim mesmo.)
"Usamos" pessoas-bengala para nos justificar-mos. Para justificar os nossos medos. Às tantas está tudo baralhado dentro de nós. Não sabemos que caminho seguir, que rumo tomar. O caminho mais fácil está ali. Não precisamos alterar nada. É o mais fácil. Só temos que continuar, que ignorar a alma. Anulamo-nos pouco a pouco e nem damos por isso.
Às vezes perguntamo-nos "mas o que é que eu fiz da minha vida?" mas logo tiramos essa frase do pensamento porque não interessa estar a remexer dentro de nós.
Lembrei-me disso, (também) porque é natal. E eu já não gosto do natal. Chateia-me o natal. Gostava de fugir no natal. Só voltar no início do ano. Não gosto da hipocrisia que reina nesta época. Por outro lado, que ao menos uma vez no ano se olhe menos para o próprio umbigo. Se dê mais a quem nada tem, se gaste 30€ num par de sapatos em vez de 60 e que esses trinta que sobram sirvam para comprar bens essenciais para alguém que nem leite tem para beber. Detesto o natal. Nem posso usar a desculpa de "há as reuniões de família" porque na casa dos meus pais há as "reuniões de família" quando muito bem nos apetece. Não sou consumista, detesto centros comerciais, não gosto de fazer compras que não tenho paciência nenhuma. Faço o natal dentro de mim o ano inteiro. Dou roupa a quem não tem, ofereço prendas sem mais nem porquê a quem me apetece, cuido e abraço quem amo, não preciso do natal para nada. Quando eu era miúda e não queria comer a minha mãe convencia-me sempre com a frase " há quem não tenha sequer água para beber. Por isso come o que tens no prato!". Quando está frio lembro-me que há quem durma ao relento. Lembro-me que a determinada altura por motivos de saúde passava diariamente na rua Augusta, a primeira vez que lá passei, do início da rua até ao fim fiquei sem dinheiro porque dei a toda a gente que me pediu. Um dia encontrei frente ao mcdonalds da mesma rua um miúdo que tocava acordeão. Um menino ranhoso ai com uns 6 anos que me pediu uma moeda e eu perguntei-lhe se ele queria comer um hambúrguer disse-me que sim e olhou-me como se eu fosse de outro planeta. Entramos no mcdonalds e na fila olhavam-nos, a ele com desdém a mim com nem sei o quê. Como se pensassem "olhem para esta com a mania que é mais boazinha que os outros". Comprei-lhe o menu e o gelado e sai na minha vergonha de estar a alimentar alguém. Um amigo ao contar-lhe como me senti observada e criticada em silêncio pelos outros, disse-me que talvez o miúdo nem passasse fome que muito provavelmente pedia a mando dos pais. "Quero lá saber! pedir já é terrivelmente mau e ainda que tivesse a barriga cheia ficou contente por comer o raio do menu" respondi-lhe irritada, com uma irritação mais de impotência que de outra coisa.
Mas também me lembro que há alguns meses, dentro do carro estacionado frente a um hipermercado, a ter uma conversa que me estava a rasgar por dentro, um menino espreitou pela janela do carro e me perguntou se eu queria pensos. À minha resposta seca de "não" e perante a insistência dele, disse-lhe de uma forma gelada "podes ir-te embora por favor?!" e ele foi. E nesse dia à noite lembrei-me desse menino. Não por não lhe ter comprado os malditos pensos que eu não sei se o dinheiro dos mesmos o iriam alimentar ou se ele ia dar a algum sacana com nome de pai que o usa, mas por ter sido tão crua e fria ao dirigir-lhe a palavra. Porque ele é só mais um menino como todos os outros de quem se calhar o pai natal nem se vai lembrar.
Não gosto do natal porque até parece que se usa o natal para sermos melhores com os outros, para nos lembrarmos que existe quem nada tenha na vida, nem comida sequer. Mas gostava dos natais da minha infância, gostava da noite de natal, gostava da espera e da magia. Talvez isso se tenha perdido também lá atrás, comigo.
Ainda assim acho graça quando leio a Helena (que voltou! Começamos juntas na blogosfera no memo dia. Há uns três anos mais ou menos. Por casualidade lemos o primeiro post uma da outra. Seguimo-nos. Entretanto ela terminou o blog (já eu tinha terminado os meus umas 5 vezes), eu terminei o meu, mudamos de nomes de guerra para não sermos reconhecidas, e reencontramo-nos agora de novo), a Helena que se mostra sempre eufórica com o Natal. Que ainda mantém a tradição dos postais de natal, que ao escrever sobre o natal faz com que a criança que há em cada um de nós fique com os olhos cheios de estrelas outra vez. A Helena, doce Helena de quem gosto tanto apesar de nunca lhe ter visto o rosto, apesar de raramente lhe escrever um e-mail sequer, a Helena que foi a única pessoa que ao parar de escrever, me fez falta.

Sou sempre assim, perco-me entre as palavras.


(...O mal foi ter começado a usar a música. E as imagens. Antes, nos posts antigos eram só as palavras. Depois faltaram-me e usei uma imagem para exprimir o que me ia na alma. Noutro dia usei a música. É mais fácil de usar. Usa-se uma música que nos leva a algum lugar (longe), ou cuja letra descreva esse exacto momento. O mais fácil. Escrever sempre é despirmo-nos, remexer por dentro. Agora e também porque a música faz parte do meu dia a dia que não sou grande fã da televisão (passo dias sem ver televisão e nunca sei que programas dão e a que horas), vou pondo música aqui no blog (ali ao lado.). Mesmo que não me apeteça escrever. Mesmo que se passem dias e dias em que só me apetece estar quieta com os meus botões, perdida nos meus pensamentos, ou a tricotar o cachecol da cor do Outono que comecei há dois anos e que só faço nos momentos em que os nervos ou a ansiedade ou o que seja não passam com um, dois ou três cigarros fumados e que já não serve para cachecol porque já parece uma passadeira de cozinha, mais estreita mas com o comprimento semelhante e eu já nem sei para que continuo a tricotar aquilo nem que uso lhe vou dar. Podia ter feito gorros e oferecia-os no natal. Mas não sei fazer gorros e não me lembrei de oferecer as lãs.)