14.2.08

Eram três e vinte e um. Olhei os números a vermelho. A lua meio escondida no céu. E às três e vinte e um, a vinte quilómetros do mar, ouvi gaivotas. Podia dizer que era fruto da minha imaginação, do cansaço das noites em claro, dos sonos em que os olhos acordam quase de hora a hora, à espera, à procura sei lá de quê.

Fui visitar a avó no outro dia. Ralhou-me. Disse-me que não era lá o meu lugar. Que se quisesse ver-me seria ela a vir. Pedi-lhe desculpa, justifiquei-me com o cansaço e pedi-lhe que me enrolasse no xaile negro junto ao peito. Enquanto me abraçava, disse-me que não deveria ter sido eu, a fechar atrás de mim a porta do caçador de sonhos.

Eu sempre preferi os espanta espíritos... Os caçadores de sonhos sempre me intimidaram. Naquela noite, enquanto lhe dizia "eu saio sozinha. Dorme.", receei que o caçador de sonhos, prendesse para sempre os meus sonhos, dentro da casa com a mesa de ferro verde-garrafa.

Partiu-se tanta coisa dentro de mim avó. Quebrei-me em mil pedaços. Saltaram para todos os lados. Faltam tantos pedacinhos! Tão minúsculos que parecem não faltar, mas grandes o suficiente para que o vazio os preencha.

Eu a chegar e a pousar as chaves. As chaves a fazerem barulho sobre o tampo de vidro. E o caçador de sonhos a tilintar como se fossem passarinhos com receio de voar. Tu a olhares-me e a sorrir, com esse sorriso doce que guardas para os momentos felizes da tua vida. Da minha vida. E os meus olhos a beijarem-te antes que a boca o fizesse. E o silêncio cheio de palavras, de promessas que não precisamos verbalizar que o destino já se encarregou de as fazer cumprir.

Eram três e vinte e um e abri os olhos. Nesse momento, juro-te, quase no Alentejo e a vinte quilómetros do mar, ouvi o som das gaivotas.