30.4.06

Ligo à P. que está sempre presente, mesmo quando todos parecem ausentes. "Arranja-me uma casa por uma semana, 15 dias. "Onde?"- Pergunta-me. "Em qualquer lado. Longe... Em Mérida! Sim, em Espanha!". Consegue uma casa por 12 dias. 12 dias sem internet, nem telefone, sem jornais ou revistas. O telemóvel desligado para que o mundo não chegue até mim. 12 dias apenas comigo. Falo com as flores e as árvores e os pássaros. Falo com o céu. Quando fecho os olhos, apesar de todo o cansaço, não consigo dormir. Volto mais cansada, mais isolada em mim. Volto com a certeza que a companhia dos que não falam, dos que crescem a céu aberto, dos que voam, me aproximam mais de mim. Reparo que nascem papoilas por todo o lado.
O meu pai está doente. Sempre foi um homem saudável, forte. Uma força da natureza. "Tem dores no peito", diz-me a minha mãe em surdina. "Fala com ele, não quer ir ao médico". Converso com ele. Tem 67 anos. Ouviste pai? Tens quase 70 anos! Trabalhas desde os 9. Abranda o ritmo. Descansa.
Desequilibro-me por culpa de um brinquedo esquecido no chão da cozinha do lume, que não é mais que uma cozinha Alentejana onde se fazem os petiscos e os almoços em família e que é um anexo da casa principal, mas onde seja verão ou inverno, há sempre uma braseira na chaminé, para fazer a sopa, aquecer água para o chá de limão ou de tília que cresce por todo o lado no quintal. "O chá de tília faz morrer menos" oiço a minha avó paterna a segredar-me ao ouvido. O meu pai dá-me a mão para que eu não caia e sinto-lhe a mão cheia de tremores. Quando é que começaste a tremer pai, que eu não dei por nada? Faço que não percebo que as mãos lhe tremem. Eras novo pai! E as histórias? As histórias que inventavas porque não as podias ler, não sabias, e que me contavas todas as noites antes de eu dormir. Tenho saudades dessas histórias pai. Da gata da Maria Mendes que corria pela casa toda atrás dos ratos. Não me morras pai. Deixa-te ficar mais uns tempos. Foste o primeiro homem que amei. Que me amou. Sempre fomos leais. E o amor é isto pai. Descubro o mesmo amor pelo e com o R. O meu irmão. 10 anos mais novo. O único. Lindo de morrer. Uns olhos azuis enormes. E com a mãe. Isto é Amor. Como podes partir? Deixa-te estar. Somos os quatro parte de um todo. Como poderemos funcionar depois se um de nós falta?
Continuo a não dormir. Mas fumo menos. Agora na volta, vou muitas vezes ver o mar. As gaivotas andam sempre por lá. Ás vezes ainda olho para uma delas e sei que és tu. Digo sempre "Olá P. Gosto-te tanto. Para onde vais?" e ela em círculos começa a afastar-se e eu digo-lhe "voa...voa alto!" mas sei que vai andar sempre num voo leve, quase inconsciente, sempre rente ao mar para onde vou tantas vezes.
Chego. Ligo a internet. A caixa de correio cheia. Parece que estou de volta. Parece que nunca parti.