26.4.06

Mato-me às vezes, mais do que as que deveria. Quando bebo palavras já escritas, mortas, gravadas numa qualquer folha amarelada pelo tempo que já não volta. Tudo porque deixei de saber pintar o céu de azul e a minha sede agrava-se a todo o momento.
Discuti com a lua no outro dia porque afinal não passa de um satélite, quando eu sempre achei que levava recados para quem estava distante. Nunca os deve ter entregue. Só pode ser isso. Chamei-lhe mentirosa enquanto me escorriam lágrimas pelo rosto. Eu que nunca choro! Que prendo as lágrimas que quase me sufocam a garganta, o peito, os olhos e a alma.
Deixo de acreditar todos os dias. E isso entristece-me. São os dias, não os que passam, mas os que vivem em mim, dentro de mim, que me levam a inocência e todas as bolinhas de espuma cor-de-rosa que eu via quando abria os olhos e o mundo era o teu rosto. Esqueço-me que sou mulher porque não sei sê-lo sem a tua presença.
Mataria hoje todas as fadas por nada fazerem e todos os satélites, planetas, cometas deste universo e do outro. Já roguei a Deus e a todos os santos conhecidos e desconhecidos, já os culpei, já pedi perdão pela culpa que lhes apontei. Rezo as vezes baixinho de forma a que só a minha alma e as criaturas santas deste mundo possam ouvir "livrem-me de mim."
Escrevo mordendo as palavras porque também elas me sufocam obrigando-me a escrever e me matam depois de va ga ri nho se as volto a ler. Não leio nada que já tenha escrito. Nada! São como a lua as palavras. Não passam disso; palavras! Hoje as minhas palavras só voam. Não poisam em ramo nenhum de oliveira onde nasce a esperança. Não há andorinhas nem gaivotas que voem neste céu. Tudo porque o pintei de negro trovoada para que nunca mais tenha que dizer "guardo-te para sempre" e venham depois dias em que só me apetecia arrancar o "para sempre" de dentro da alma tudo porque a lua é mentirosa, não há bolinhas de espuma cor-de-rosa e a felicidade são fragmentos pequeninos que se perdem no mais pequeno sopro de vento.