11.5.06

Numa conversa a meio de uma tosta mista talvez pelas quatro ou cinco horas da manhã, ainda com o cheiro da tua pele, numa conversa em que falávamos de coisas do céu e do inferno e tu, no meio dessa conversa, quase como uma premonição, dizes um número. 7. Acho que foi o número sete. E eu sem pensar, que se tivesse pensado a resposta seria a mesma, digo-te "não faz mal, eu espero." Agora que vejo o arrastar dos dias e os anos a passar mas como se tivesse sido ontem, agora, lembro-me dessa noite. "Eu espero" disse-te. Nunca te menti pois não? Sabes então. Que espero. Uma outra noite, não sei quantas noites depois, acordas porque me sentes andar pelo quarto, não que tenhas o sono leve, que não tens, mas só porque me sentes andar pelo quarto e talvez já nessa altura, as almas a preverem tudo o que viria depois, que as almas prevêem tudo, tenham decidido que iria ser a partir daquele dia que passaríamos a conversar também em silencio, e de olhos fechados e até a milhares de quilómetros de distancia, perguntas-me porque não te acordei. Respondo que não quis incomodar-te quando o que queria dizer era que eras mais meu ali embalado nos braços da noite, sereno. Abraças-me então. Abraças-me e o tempo pára. E está tudo certo.
Hoje acordei contigo a dizer o meu nome. Não soube se era a minha alma a falar por ti ou se me chamavas realmente.
Não era para escrever isto, agora reparo que não era sobre ti que ia escrever. Que tenho escrito só sobre mim. Só de mim. Mas hoje o número sete voltou à minha cabeça, com a verdade de que faltam apenas 5 e que parece um número tão longe, mas já foi há tanto tempo e parece que foi ontem. Esbateram-se os sabores e os sons, as imagens e os gestos, já não me recordo do sabor daquela tosta mista gigante que partias ao meio enquanto eu lambia a espuma da cerveja nem dos croissants que comíamos na tarde dos outros que para nós ainda eram manhã mesmo que o sol já se estivesse a pôr. Mas tenho no corpo a água quente quase a ferver que caia da torneira e onde lavávamos o corpo muito de leve para que o gosto e o cheiro do outro não se perdesse. E o dia em que chovia no céu e nos meus olhos e abraçados trocamos palavras que a minha memória não conseguiu reter porque os sentidos estavam todos baralhados e sempre tive uma memória má.
Espero todos os dias, todos (alguma vez te menti?), seja o numero 7 uma rasteira do destino, sim que não pode ser de Deus, esse em quem não acreditas só porque te sentes abandonado por Ele, que o meu Deus não seria cruel a esse ponto, sejam os anos que se arrastam e eu conto-os todos os dias um a um como se contasse carneiros antes de adormecer e penso que já só faltam cinco e cinco anos é um pedaço tão grande de vida mas está já ali ao virar da esquina se me lembrar da tua serenidade enquanto dormias ou do sabor da tua língua. Só não me consigo lembrar do sabor das tostas porque tenho má memória e em dois anos é natural que nos esqueçamos do sabor de um pão meio torrado que comíamos mas que era tão delicioso só porque era comido enquanto olhávamos nos olhos um do outro, enquanto trocávamos beijos por entre dentadas esfomeadas na tosta que queimava a língua e porque sabíamos que a nossa manhã ainda demorava a chegar e podíamos por fim, depois dos corpos exaustos de todos os desejos contidos, adormecer e receber a serenidade como um presente do anjo do sono que vive colado às tuas pestanas.