Eu vou-vos contar uma coisa. Tenho os olhos cheios de saudade. Vocês já olharam para uns olhos cheios de saudade, vazios de tão cheios, com as lágrimas suspensas por teias invisíveis esculpidas pelos gnomos dos dias e tão frágeis, tão frágeis que parecem que são áridos, mas que se olharmos bem (tem que ser mesmo bem.) estão inundados e são como areias movediças que parecem estáveis mas mal se tocam começam a levar-nos com elas? Os olhos cheios de saudade são assim. É preciso cuidado quando se olha, não vá acontecer ficarmos presos a um olhar desses. Mergulhamos nesse estado de melancolia e nunca mais de lá conseguimos sair.
Atentem no que vos digo.
Os meus olhos são assim. Cheios de saudades. E de certezas. Não que às vezes a raiva, sobretudo pela sensação de impotência de não poder alterar a linha da vida escrita na mão, logo seguida pelo desanimo não me invadam, mas as certezas permanecem sempre. E é por isso, só por isso, por essas certezas, é que tenho os olhos cheios de saudade. É que tenho tanta capacidade para fazer viver as coisas em mim, como para as matar. E se olhos vivem assim, tão cheios, é só porque tenho certezas.
Eu sei, repito-me. Mas faço isso muitas vezes, já repararam? Pareço uma cópia, de uma cópia de mim.
No outro dia enquanto descia a rua e passava frente ao S. Judas Tadeu que a embeleza e que passa despercebido a muita gente (há até quem ache que este Judas é o mesmo que cometeu a traição), mas a quem eu confio muitas vezes, nas noites mais cansadas, os últimos minutos de consciência antes de adormecer e a quem eu peço "ajuda-me a aprender a viver todos os dias" (ou não fosse ele o advogado das coisas impossíveis), nesse dia enquanto descia a rua, reparei num vaso de amores-perfeitos, que foi depositado a seus pés, se calhar como agradecimento, por uns olhos cheios de saudade como os meus, por alguma graça recebida, ouvi uma voz do meu lado esquerdo que me disse " Deus fez o mundo em sete dias e hoje é só o oitavo." Palavra que ouvi! E as teias frágeis romperam-se por momentos e apareceram por detrás do vazio dos olhos, as tais lágrimas de saudade.
Acreditem quando vos digo, olhem com muito cuidado para os olhos que carregam saudades. A não ser, que sejam portadores da carta registada que contem a fórmula contra a saudade. Se o forem correm o risco de morrer afogados e de não se sentirem sozinhos nem vazios nunca mais.