As noites quentes dão-me cabo dos nervos. O corpo parece um lume que queima tudo. As noites são demasiado quentes e não há duche por mais prolongado que seja que me alivie desta temperatura interior. Provoca-me dor de cabeça e mal-estar. Fico inquieta e mal-humorada. É bem verdade que não tomo duches de água fria. Não a suporto assim a cair lá de cima, nas costas e na cabeça. Gela tudo. Quando venho da praia e ainda com o calor abrasador a fazer-se sentir tomo banho de água tépida. Eu sei. Já mo disseram várias vezes, assim não baixa a temperatura do corpo.
Agarrei num livro por entre as centenas que tenho. Um assim, ao calhas. Saramago. Penso "Porra! Logo o Saramago" Só tenho este livro dele. Só este. Acho-o maçador. Não fica bem dizer isto eu sei, mas acho. Nem o abro. Pouso-o sobre a mesa-de-cabeceira branca, ao lado da cama branca, no meio do quarto branco (o sitio da casa mais fresco a esta hora. A janela aberta que deixa passar uma aragem que cheira a noite). No meio do branco todo- branco paz, serenidade (é não é? Devia ser.) - a poltrona laranja. É bonita e serve para me enroscar por debaixo de um cobertor sempre que o frio me entra nos ossos. Ou se faz mais sentir.
(Porra não se diz pois não? "É feio" dizia-me a minha mãe. Acho que é o único "palavrão" que digo frequentemente. São hábitos. Vem da formação talvez. Sempre que ouvia um palavrão lá em casa, o que acontecia raramente, já sabia que se discutia algo grave. Só eram usados num momento grave. O palavrão gratuito nunca foi um hábito. Continua a não ser. E não fossem os colegas do norte do pais e ainda hoje eu não usava alguns dos outros quando fico mesmo, mesmo zangada. O que raramente também acontece. Eu zangar-me. Se calhar porque sou de repentes. Digo o que tenho a dizer, na hora, na própria altura, digo tudo o que me passa pela cabeça, como os doidos (e aqui apeteceu-me sorrir.) e pronto. Passou a zanga.)
Não tenho cabeça para isto. Podem-se ir embora. Vá vão. Aqui não há nada para aprender, para reter, para o que quer que seja. São só as coisas que me passam pela cabeça e hoje vejam bem, nem me dou ao trabalho de ver se existem erros, se me escapou alguma coisa. Escapa sempre. Uma virgula que não foi colocada (nunca sei onde colocar as virgulas. Nunca.). Uma maiúscula esquecida, um erro qualquer pelo meio. Nem me dou ao trabalho. Está calor e eu e as palavras vamos ser sempre assim. De relações difíceis. Não nos damos e tenho a sensação que são mais as vezes que as palavras me usam do que as que eu as uso a elas.