20.6.06

Se perguntarem por mim, não estou. Digam que não estou. Que agora quase que gosto desta vida sem luar, sem formigueiro nos dedos, sem o calor a trepar-me pelo corpo. Se perguntarem por mim digam que estou ainda naquela noite de dois mil e cinco, carro parado perto da estrada principal, a olhar para ti enquanto tu ias, de mãos nos bolsos e sabe-se lá o quê a bailar na cabeça. Digam que ainda seguro o beijo que me deixaste no ombro, que não me mexo só para que o beijo não saia do lugar, para que não caia ao chão. Digam que fiquei ali parada, que é um sítio longe de alcançar, que pedi tempo à vida para me deixar ficar por ali. Digam que existe uma igual a mim mas só de aparência, que vive todos os dias, que trabalha, respira, come e ri, que faz tudo aquilo que se deve fazer quando queremos aparentar estar vivos. Digam que essa ocupou o meu lugar por tempo indeterminado, que a gente só está onde quer estar, que o tempo não é feito por nós, mas podemos sempre enganá-lo e roubar uns minutos ao tempo e viver realmente. Digam que a outra está a secar como se fosse uma flor sem água que não nasceu cacto mas está a tentar transformar-se num e a aprender a viver sem a água que lhe dá vida. Digam (não se esqueçam de dizer isto! É muito importante, pode ser que alguém oiça.) que a que ficou dentro do carro está quase a desistir, se é que existe um momento em que se diz "desisto" e é só a partir dai que conta como desistência realmente, que sabe que desistir é nunca mais e que está lá só à espera que chova, que há demasiada primavera e demasiada luz à volta dela. Que desistir é palavra que nunca existiu no dicionário e que agora aprende-a a escrever lentamente, letra a letra mas que apesar de tudo guarda o beijo dado no ombro, o beijo dado nos lábios, os olhos que estão longe, os dias, as noites, o amor, todos os segredos e todos os silêncios que se partilharam.
Se perguntarem por mim não estou. Fui substituída por esta que anda 8 km por dia para cansar o corpo, que limpa e arruma o que foi arrumado à 5 minutos atrás, que apareceu por aqui só para me esborrachar a verdade nos olhos, para questionar o que eu nunca tinha questionado antes com medo das respostas.
Se perguntarem por mim não estou cá.