24.7.06

"-Podes indicar-me o caminho certo?- perguntou a Alice ao coelho branco.
-E para onde queres ir?
-Não sei...- respondeu a Alice envergonhada.
-Então qualquer caminho serve! - Resmungou o coelho apressado."



Ainda na infância ganhei um desapego a quase tudo o que era material. Gostava de ter coisas bonitas é claro, mas na hora de comprar era quase indiferente. Levava as coisas para casa e depois passava a considerá-las aquilo que elas na realidade eram: objectos.
Gostava muito dos meus discos, dos meus imensos livros e da máquina de escrever que o pai me ofereceu no meu nono aniversário (tudo porque uns dias antes tinha sonhado que tinha uma máquina de escrever e tinha contado à minha mãe.). As outras coisas sempre me pareceram dispensáveis e facilmente substituíveis.
Cresci a achar que as minhas coisas deveriam ser as suficientes para caberem em uma ou duas malas, para que se houvesse a necessidade de partir, o poder fazer rapidamente. O meu guarda-roupa era o básico, e só comprava calçado para substituir o que se ia estragando. Nem era por falta de me quererem comprar mais, eu simplesmente não queria. E não me importava. Não podia existir dentro do meu universo, nada que não coubesse dentro das tais duas malas ou dentro de mim. Sabem é que sempre me apeguei muito às coisas e às pessoas e depois se tivesse que partir custava-me muito ter de deixar coisas ou pessoas para trás.
A minha primeira casa, onde vivi onze anos após sair da casa dos meus pais, nunca a considerei realmente minha. Geria-a, decorava-a, era minha. No entanto, nunca estive ligada às coisas bonitas que a vestia. Quando via alguma coisa, pensava "que bonito isto!". Era como se fosse uma oferta. Para outra pessoa. Levava para minha casa e a partir do momento em que entrava pela porta e colocava o objecto (móvel, o que fosse.) no sítio, era como se deixasse de me pertencer.
Deixei para trás os discos, mas guardo a máquina de escrever e aos livros juntei outros que ocupam agora o lugar deixado pelos discos. O hábito de deixar algo, ao qual me estava a apegar, e que teria que forçar a entrada de mais uma mala na minha vida, instalou-se há muito tempo. (Aconteceu isso por exemplo, com a Barca. Irá acontecer aqui também num dia qualquer em que o sorriso será presença ou o desassossego se instale para sempre.)
No meu universo hoje cabem três malas. Dentro de mim, no meu coração, não sei se cabe mais gente. Está cheio com as pessoas que amo e com aquelas que já partiram.

(No outro dia alguém me perguntava, se não achava que me expunha em demasia aqui. Respondi prontamente que não. Que se alguém das minhas relações, do mundo exterior lê-se este quase-diário-quase-blog-dos-pensamentos-quase-insanos, nunca iria achar que era a Mafalda que conhecem que o escrevia. E dos que me lêem, nunca ninguém me olhou nos olhos, não conhece o meu sorriso, ou a mania que tenho de enrolar o cabelo nos dedos quando estou distraída, não sabe se sou alta ou baixa, gorda ou magra, loira ou morena (bem... nesta parte sabem. Já tenho comentado a cor do meu cabelo.). Há apenas uma pessoa que ao ler-me aqui vê a pessoa que sou na realidade. (Não sei, sinceramente, se isso é bom ou mau. Para ambos.) Uma única pessoa. Essa não cabe quase no coração tal o espaço que ocupa.

Agora vou. De férias. Porque o mar chama por mim. Desta minha casa onde vivo há meia dúzia de anos e que apesar de minha ainda não é este o lugar onde pertenço, levo livros, roupa e pouco mais. Os que tenho no coração, andam sempre comigo para onde quer que eu vá.
Volto depois. Cedo talvez, demasiado tarde certamente.

(Espero que a Alice, descubra o sitio para onde quer ir, que não se perca na procura porque é muito mau perdermo-nos. E que quando souber o lugar para onde quer ir, que encontre o coelho branco e que este lhe indique o caminho. O mais fácil, o mais rápido. Não convêm no entanto que a Alice se sinta a caminhar nas nuvens, convém que pise terra firme, porque pode por um segundo que seja, desviar os olhos do chão e cair de muito alto.)

Boas férias também para aqueles que por aqui passam.


" E o coelho disse à Alice:
-Não cresças demasiado, ou arriscas-te a afogar-te nas próprias lágrimas, se te sentires triste e tiveres vontade de chorar. Se essa vontade vier...Olha, não chores."