3.8.06

O Santo partiu-se. Caiu e partiu a cabeça. Não era de estranhar se não fosse já o terceiro a que isso acontece. Sempre a cabeça. Zás!
O primeiro, recordo-me bem, que por cá pediam-me um balúrdio pelo santo e nunca o comprei. Comprei-o em Mérida, porta fora para fugir dali e entro na primeira loja que vejo. Coicidência, mesmo em frente ao número onze da rua que não me esqueço. Santos por todo lado e um velhote que sorria meio desdentado e me pergunta num espanhol arrastado "veio à procura de paz?". E cairam-me as lágrimas frente a um estranho a muitos quilómetros de casa com o peso e a solidão toda do mundo dentro de mim. E senti-me ridicula, e senti-me vazia. E aprendi que as lágrimas não são ridiculas. "é o São Judas Tadeu" digo-lhe um minuto eterno depois. Veio comigo e chegada a casa, ainda dentro do saco, coloco-o em cima da mesa da cozinha enquanto pousava a mala. Caiu. Não sei como caiu. Abro o saco e a cabeça está separada do corpo. Apetece-me chorar de novo. Muito chorei por esses dias. Penso que não posso ter um santo sem cabeça ou de cabeça colada. Guardo-o na mesma que não tenho coragem de o pôr no lixo. Bem sei que é só uma imagem de gesso, um boneco como lhe chamou o anjo loiro de olhos azuis mal o viu da segunda vez que o comprei e antes de eu lhe explicar que não. Que era assim como uma fotografia de alguém. Que não era para mexer que se podia partir. Caiu também. Também não sei como.
Num dia que vou em busca, novamente, sempre em busca, de paz, 250km depois, vejo-o de novo e de novo o compro. Há um ano talvez. Há um ano que olhava para ele antes de fechar os olhos e nas noites em que com ele não discutia "por seres santo não era suposto cuidares de mim?" e depois com peso na consciência dizia-lhe que já não queria pedir nada apenas agradecer a saude e o passar dos dias. Caiu. Com o vento da janela, sozinho, não sei. Caiu e a cabeça separou-se do corpo. Não faz mal. Não preciso de ver para sentir. Ainda ontem lhe disse "cuida dos que eu amo".

Não ia escrever isto. Na realidade não ia escrever nada. Ia só dizer que me lembrei que não há luar mais bonito que o luar de Agosto. Que a lua cheia que tráz os bébés para casa mais cedo e faz nascer as plantas está quase ai. Era só isto que ia dizer.