Ontem à saída do comboio enviaram-me um beijo. Alguém com um ar alucinado, olhou para mim e enviou-me um beijo. Confesso que tive medo. Não fosse aquela pessoa seguir-me. Mas não. Continuou no comboio e seguiu destino sei lá para onde. E eu pensei "o anjo é forte". Eu voltei para casa, com a alma mais aliviada do que quando horas antes tinha ido para a estação. Há coisas e decisões que alteram por completo o rumo das nossas vidas. E felizmente não tive que tomar nenhuma opção que pudesse alterar o rumo da minha vida. Não sei se o queria fazer agora. Tem sido tantas as alterações.
Estes meus dias têm sido... desgastantes. Mas estão a voltar à normalidade e pouco a pouco sinto-me a regressar à minha vida. Contínuo a sentir falta de me afundar no sofá azul-escuro sempre que chegava a casa depois do trabalho e ir ler o que tinham escrito. Mas agora já não tenho o sofá azul-escuro. E a luz é outra. Mais forte. Habituei-me à penumbra e os olhos pouco habituados à luz estranham a luminosidade. Quase não me perco em mim, apenas porque me falta tempo. Ou melhor, porque raramente estou sozinha. Pode parecer estranho mas eu gosto de estar sozinha e quieta de vez em quando. Começo a sentir falta de mim quando isso leva mais tempo a acontecer. Sei que não sou nada disto. Parece que ando a viver num filme nos últimos tempos. Devia estar feliz acreditem-me. Não é um filme mau. Mas sinto falta de mim. Como se até, caminhasse agora por um caminho mais... florido. No entanto parece-me que estas flores não fui eu que as plantei e que o perfume delas não estão ali para que eu as sinta. Mas os outros. Tenho vivido sempre pelos outros. Continuo a fazê-lo. Ainda que às vezes me anule, ainda que às vezes só me apeteça fechar as persianas e trazer de volta a penumbra. Mesmo sem o sofá azul-escuro.
Eu sei que este não é o post que eu tinha dito que ia escrever aqui. Eu sei. Mas ali escrito no caderno quadriculado parece agora não fazer sentido vir para aqui. Vai chegar o tempo em que fará. Tudo nesta vida tem o seu próprio tempo. Agora não sei muito bem em que tempo ando. Porque me reconheço muito pouco. Porque sou quase uma estranha para mim. Coisas da alma. É. Tem estado calada. Ficamos diferentes quando calamos a alma. Mais duros. Mais secos. Mais humanos.
Voltei. E a escrita traz-me sempre a alma de volta. Não sei escrever de outra maneira. Não tenho o dom da palavra escrita. Apenas sinto. Nada mais.