A rapariga tomava banho ao som de Bach. Tinha flores frescas em casa à quinta-feira. Gerberas ou margaridas. Uma vez ou outra comprou rosas. Vermelho sangue. Mas de todas as vezes que olhava as rosas tinha vontade de chorar. Nunca mais as comprou.
Sentava-se depois, enrolada ainda na toalha e fumava um cigarro. As dez e meia da noite eram para ela uma hora quase mágica. Só para ela. Não raras vezes adormecia com a toalha a acariciar-lhe o cabelo e de manhã fazia uma trança que lhe dava um ar menos fatal, segundo palavras do colega que de manhã quando passava por ela no corredor lhe dizia sempre um piropo. No dia que ele lhe disse que o cabelo solto, quase selvagem e rebelde lhe provocava arrepios, tudo porque contrastava com o olhar dela, perdido, ela resolveu nesse mesmo dia usá-lo sempre preso. No dia seguinte chegou de rabo-de-cavalo e o colega disse-lhe que ficava com um ar gaiato e maroto. Foi à casa de banho e fez uma trança. O colega á saida, piscou-lhe o olho e disse-lhe que assim estava mais protegida.
Achava que era muita coisa menos aquela mulher que alguns olhos viam. Não raras vezes, era sobretudo desejo que via nos olhos dos homens e a rapariga fugia com o olhar. Nunca fora isso que procurara.
Um dia encontrou-o. Bastou uma troca de olhares. Não! Uma palavra. Um sentir talvez. Comprou rosas nesse dia. E descobriu o nome do frio que sentia às vezes. Não na pele mas por dentro dela.
A rapariga ainda ouve Bach às vezes. Ainda compra flores à quinta-feira e ainda usa a trança que lhe disfarça o olhar. Tem mais certezas e menos dúvidas, mas as certezas nem sempre são aquelas que queremos. Já não anda de baloiço como andava nos dias de sol, mas ainda é para o mar que foge sempre que o tal frio lhe invade o corpo.
A rapariga cheira a Alentejo.